21/05 – A classificação de instrumentos financeiros dentro do patrimônio líquido ou do passivo entrou novamente em discussão. Depois de Energisa, Marfrig e Minerva, entre outras, terem sido obrigadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a republicar balanços devido ao entendimento de que havia erros no registro, a protagonista da vez é a EDP Energias do Brasil.
A Deloitte fez uma ressalva no balanço de 2012 da empresa de energia, por discordar da classificação, dentro do patrimônio, de uma “parte beneficiária” emitida por uma das controladas da EDP, a Lajeado Energia. Para a empresa de auditoria, feita a consolidação dos balanços, ao menos parte do valor do instrumento, de R$ 451 milhões, deveria entrar no passivo.
Já os administradores da empresa de energia dizem, no balanço, que o registro dentro PL é o mais correto, já que “não existe uma obrigação de pagar uma remuneração sobre o valor da reserva” e acrescentam que reuniram pareceres de assessores legais e de outros auditores para defender tal entendimento.
A parte beneficiária emitida garante ao seu detentor, que no caso é a Eletrobras, o direito de receber 10% do lucro da Lajeado. A condição é a apuração de lucro.
A EDP registra o instrumento dentro do patrimônio desde 2006, quando o papel foi emitido. Na consolidação, o trata como uma participação de acionista não controlador. Enquanto a EDP teve a KPMG como auditora, nunca teve uma ressalva por esse motivo.
A troca pela Deloitte ocorreu em 2012, motivada pelo rodízio obrigatório exigido no Brasil.
Sem conhecer o caso em detalhes, a professora Marta Pelúcio, da Fipecafi, diz que essas classificações não são tão “preto no branco”. “Na teoria, se existe exigência, é passivo. Mas não é tão simples identificar essa exigência”, afirma.
Após a ressalva no balanço, a EDP decidiu trocar de auditor novamente e contratou a PwC. No relatório de revisão limitada do primeiro trimestre, o novo auditor não repetiu a ressalva da Deloitte.
Procurada pelo Valor para saber se a ressalva explicaria a mudança, conforme o jornal apurou com fontes próximas, a empresa de energia disse que “a troca de auditoria se deu em razão de término de contrato”, conforme foi informado ao mercado.
As auditorias Deloitte e PwC também foram procuradas, mas disseram que não podem fazer comentários sobre clientes.
Desde 2001 as companhias abertas foram proibidas de emitir partes beneficiárias, já que o instrumento fora usado em muitos casos para reduzir o pagamento de dividendos aos minoritários. Mas as sociedades por ações de capital fechado ainda podem lançar esses papéis.
Num instrumento como esse, não existe obrigação de pagamento do principal em dinheiro, embora ele possa ser resgatado voluntariamente pela empresa emissora. No caso da Lajeado, se não houver resgate até o vencimento, em 2032, os títulos serão convertidos em ações.
Do ponto de vista econômico, seria possível dizer que os pagamentos de 10% dos lucros provavelmente serão feitos sempre, já que a Lajeado opera uma usina hidrelétrica e tem uma lucratividade razoavelmente previsível – além de carregar crédito tributário no ativo por assumir que terá lucros tributáveis no futuro.
Por esse prisma, a EDP não teria como evitar esse pagamento.
Ainda para reforçar essa ideia, a Eletrobras contabiliza o papel no seu balanço pelo valor presente dos recebimentos estimados. Se fosse tratado como um investimento de capital que não pode ser negociado, o mais comum seria a mensuração pelo custo.
No entanto, alguns especialistas ouvidos pelo Valor entendem que não seria possível classificar o instrumento como dívida, já que existe uma condição para o pagamento do valor, que é a existência de lucro.
Esse papel seria diferente de outros que garantem remuneração independentemente do resultado da companhia, como é comum em empréstimos tradicionais, mas também existe em alguns tipos de ações preferenciais com dividendos fixos sobre o capital ou PL.
Além disso, se as partes beneficiárias fossem tratadas como passivo, talvez o mesmo teria que ocorrer com o dividendo obrigatório previsto em estatutos.
Ao adaptar o IFRS para a realidade brasileira, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) decidiu tratar o dividendo mínimo obrigatório – que não existe na maioria dos países – como passivo apenas durante o período entre o fechamento do exercício (após a apuração do lucro) e seu pagamento. E somente o dividendo mínimo daquele ano.
Ninguém calcula o dividendo mínimo obrigatório projetado referente aos lucros de exercícios futuros e registra o valor presente daqueles fluxos como passivo.
Para quem defende o registro das partes beneficiárias como dívida, haveria diferenças em relação às ações com dividendos mínimos. Nesse último caso, a previsão de pagamento estaria no estatuto da empresa, e não em um contrato firmado com um terceiro. Além disso, existe a previsão legal de que se delibere, em assembleia, pelo não pagamento do dividendo, caso aquilo coloque em risco a saúde financeira da empresa.
A CVM foi procurada, mas disse que não se pronuncia sobre casos específicos. Nos casos de Telebras e DTCom, a autarquia exigiu reclassificação de adiantamentos para futuro aumento de capital (Afacs) do patrimônio para o passivo, com o argumento de que a liquidação do instrumento poder ocorrer por “um número variável” de ações da entidade.
O mesmo raciocínio pode vir a ser usado para a EDP.
Fonte: Valor Econômico / por Fenacon
Escrito por: Fernando Torres
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