21/05 – Todo empreendedor sonha em vender sua empresa por milhões de dólares. Mas esse sonho pode ser destruído pelos investidores de risco, que faturam milhões e deixam os fundadores praticamente sem nada. Um caso recente que tramita no tribunal de Delaware ilustra como isso ocorre.
O caso trata da venda da Bloodhound Technologies, em 2011. A empresa, fundada em meados dos anos 1990 por Joseph A. Carsanaro, tinha o objetivo de criar um software de monitoramento de fraudes para planos de saúde. Depois de anos trabalhando ao lado de colegas, Carsanaro conseguiu levantar, em 1999, o primeiro empréstimo de capital de risco, US$ 1,9 milhão; no ano seguinte conseguiu outro empréstimo, de US$ 3,1 milhões.
Quando a bolha da internet estourou, a Bloodhound passou por momentos difíceis. Então, os investidores de risco tomaram o controle da empresa e Carsanaro deixou de ser o CEO e em 2000 nem trabalhava mais na empresa, assim como quatro outros fundadores. Ao longo da década seguinte, a Bloodhound se recuperou e cresceu lentamente, amparada por mais sete grandes empréstimos. Em abril de 2011, foi vendida por U$ 82,5 milhões. Era chegado o momento de Carsanaro e a equipe que fundou a empresa comemorarem a nova vida de milionários.
Contudo, investimentos de capital de risco são estruturados de forma a garantir que os investidores sejam pagos antes de fundadores e funcionários.
Situação comum – Quando capitalistas de risco investem, geralmente exigem ações preferenciais que rendem 8% do dividendo anual. O dividendo não precisa ser pago até que a empresa seja vendida. Em uma venda, o valor original, acompanhado de juros, deve ser pago antes das ações ordinárias, geralmente pertencentes aos fundadores e funcionários.
A exigência de que o investidor de risco seja pago com antecedência e com juros embutidos pode afetar fundadores e funcionários de forma brutal, conforme Foi o que Joseph A. Carsanaro e seus colegas pioneiros descobriram. Na hora do acerto das contas, os cinco fundadores da Bloodhound receberam no total menos de US$ 36 mil. Um deles levou míseros US$ 99. Os investidores de risco ficaram com a maior parte do valor da venda. Além disso, a Bloodhound pagou US$ 15 milhões em bônus para a equipe de gestão atual.
Não há muita informação sobre pagamentos para os fundadores e funcionários de empresas que são vendidas após investimento de capital de risco, mas os poucos estudos a respeito do assunto mostram situações como a da Bloodhound são extremamente comuns. O estudo mais recente, realizado pelos professores Brian J.
Broughman e Jesse M. Fried, revelou que em metade dos acordos com investimento de capital de risco, os investidores comuns não tiveram direito a nada após a venda da empresa, mesmo que esta valesse dezenas de milhares de dólares. Em praticamente todos os casos o lucro da venda acabou nas mãos de investidores de risco e outros proprietários de ações preferenciais.
Estudo ainda não publicado de Shikhar Ghosh, da Escola de Negócios de Harvard, revelou que três em cada quatro empresas que recebem capital de risco não davam retorno sobre o investimento. Novamente, é nesses casos que fundadores e funcionários não têm direito a nada após a venda da companhia.
Para os empreendedores que sonham em ser o próximo Mark Zuckerberg e levar suas empresas às alturas, é melhor pensar duas vezes. Diversos estudos revelaram que a maior parte dos CEOs de empresas que aceitam investimentos de risco acaba sendo substituída.
Esses são os negócios bem sucedidos. Pois a regra corrente entre os investidores de risco é que entre 20% e 30% das empresas vão à falência, Neste caso, naturalmente não devolvem nada aos investidores, incluindo os de risco.
Meios de proteção – O caso da Bloodhound serve para nos lembrar de que os fundadores de startups financiadas por capital de risco frequentemente acabam longe de ser como Zuckerberg. Ao invés disso, são jogados para escanteio, sem lucros significativos mesmo quando a empresa é vendida. Os investidores de risco sempre argumentam que esse é o preço que precisa ser pago para se ter acesso ao dinheiro e aos serviços que oferecem. O dinheiro é quem manda e, para sobreviverem, os investidores de risco exigem a contrapartida de preços altos e lucratividade.
Ainda assim, os empreendedores podem se proteger. Broughman e Fried descobriram em seu estudo que os fundadores que negociaram um direito maior de controle acabaram recebendo em média US$ 3,7 milhões a mais. Isso aconteceu mesmo quando os acionistas comuns não tiveram direito a um centavo. Ao exigirem lugares fixos na diretoria, ou em outras formas de representação, os fundadores puderam garantir que a venda ocorresse apenas com sua aprovação e desde que recebessem parte do dinheiro.
Em outras palavras, os direitos negociados pelos empreendedores que aceitam o investimento de capital de risco são realmente importantes. Muitos deles ficam tão empolgados com a possibilidade de conseguir dinheiro que não exigem esse tipo de direito ou simplesmente não sabem como pedir. Ainda assim, quem negocia tem mais chances de manter algum poder sobre o futuro da empresa, ao passo que quem não o faz aumenta as chances de ser deixado de lado. Isso pode acontecer até mesmo em situações lucrativas. Basta lembrar que Zuckerberg poderia ter sido forçado pelos investidores de risco a vender o Facebook, caso não tivesse mantido o controle da empresa.
No caso da Bloodhound, os fundadores foram arrancados da companhia cerca de oito anos antes da venda. Durante aquela época, não tinham controle nem capacidade de impedir que os capitalistas de risco financiassem a empresa de acordo com os próprios termos. A única comunicação importante que tiveram com a empresa desde que foram dispensados é quea havia sido vendida por um valor monstruoso, mas que eles não receberiam praticamente nada.
Os cinco fundadores abriram um processo na corte de Delaware, afirmando que a diretoria e os investidores de risco haviam realizado reuniões com o objetivo de se favorecerem e de diluírem o pagamento devido aos fundadores. Com uma moção, os advogados de defesa afirmaram que agiram de boa fé e que as reinvindicações só vieram à tona anos mais tarde.
J. Travis Laster, vice-chanceler do Tribunal de Equidade de Delaware [foro onde são julgadas as disputas envolvendo questões internas de empresas], revelou que as acusações de que os investidores haviam se privilegiado em detrimento dos fundadores poderiam ser viáveis, desde que os fatos narrados fossem verdadeiros.
Mudança de práticas – Se os fundadores da Bloodhound vencerem o processo, o caso poderia mudar algumas das práticas. Poderia ser exigido que as diretorias que aceitam investimentos de risco levem em conta os interesses dos fundadores antes da próxima rodada. Isso poderia forçar as diretorias a pagar corretamente os fundadores para evitar processos posteriores.
Ainda assim, mesmo que os fundadores da Bloodhound vençam, outros empreendedores podem acabar na mesma situação, na qual suas empresas são vendidas, mas não sobra nada para eles. A triste realidade é que há momentos em que o valor exigido pelos investidores de risco para que a empresa sobreviva fará com que os fundadores saiam perdendo. Vamos encarar a verdade, às vezes a empresa só sobrevive por causa desse dinheiro e da habilidade e esforço dos investidores de risco. Esse pode ter sido o caso da Bloodhound.
Qualquer que seja o desfecho, o caso divulgou essa prática e talvez leve as diretorias a pensar duas vezes antes de descartar os fundadores. Isso pode levar a um maior cuidado entre os investidores de risco, mas a única coisa que pode salvar os empreendedores é negociar desde o princípio. Caso contrário, eles podem se encontrar na mesma situação dos fundadores da Bloodhound: com uma mão na frente e a outra atrás.
Fonte: The New York Times / por Diário do Comércio
Escrito por: Steven M. Davidoff
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