Em apenas quatro anos e meio de vigência, período que inclui a crise econômica de 2008, a Lei de Recuperação de Empresas apresenta um saldo muito mais positivo do que imaginaram seus mais ardorosos defensores. Foram deferidos pela Justiça 122 pedidos de recuperação, desde junho de 2005, e que, em sua grande maioria, resultaram na sobrevivência dos negócios, na renegociação dos direitos dos credores, na preservação de marcas e, principalmente, na manutenção de empregos.
Pela antiga Lei de Falências e Concordatas, dificilmente essas empresas teriam conseguido sobreviver. Editada nos estertores da ditadura varguista, quando o País ainda não se havia industrializado, essa legislação deixava aos empresários em dificuldades financeiras e a seus credores apenas duas saídas: a concordata ou a falência.
Decretada a pedido de empresas insolventes, a concordata permitia a continuidade de suas atividades em caráter precário, num processo que, a não ser nos raros casos em que o devedor contasse com o apoio de seus credores, só prolongava a agonia do empreendimento. Já a falência significava a destruição de ativos e fechamento de postos de trabalho e eram comuns os casos de credores de importâncias relativamente pequenas que preferiam pedir na Justiça o encerramento do negócio a negociar o recebimento dos valores a que tinham direito.
Inspirada no direito comercial americano e mais adequada a um ambiente econômico moderno, na medida em que oferece prazos mais flexíveis para o pagamento dos débitos das companhias em dificuldades financeiras, antes limitado a apenas dois anos, a Lei de Recuperação de Empresas se constituiu numa revolução no sistema jurídico brasileiro. Ela inovou ao conceder à empresa insolvente a possibilidade de propor um plano de saneamento judicial, com prazo de duração de até 15 anos, criando uma alternativa à concordata.
Para os credores, especialmente os fornecedores de insumos e suprimentos, isso permite preservar seus mercados. Para os funcionários, a recuperação torna possível, além da manutenção do emprego, o recebimento de salários atrasados. E, para as empresas, a recuperação lhes dá liberdade para cortar custos, fechar unidades improdutivas, desenvolver novos produtos e fortalecer as marcas mais conhecidas.
Entre as companhias que se beneficiaram pela nova legislação falimentar, segundo balanço publicado pelo jornal Valor, encontram-se grupos empresariais que já ocuparam posições de liderança em setores de transportes aéreos, refrigeração industrial, alimentos e produtos de madeira. Algumas companhias saíram-se tão bem no processo de recuperação judicial que triplicaram a produção. Outras desenvolveram produtos que lhes permitiram ampliar a participação no mercado interno e até exportar.
A trajetória da Lei de Recuperação de Empresas, até sua plena consolidação, dá a medida das dificuldades que o País tem de enfrentar para reformar suas anacrônicas instituições jurídicas – condição necessária, ainda que não suficiente, para a modernização da economia nacional. Preparado pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, o projeto foi enviado ao Congresso em 1993, enfrentando a oposição do PT, que, à época, temia que a recuperação judicial prejudicasse os trabalhadores.
Com isso, o projeto ficou esquecido nos escaninhos do Legislativo até 2004, quando o PT, uma vez no poder, “descobriu” que a reforma da legislação falimentar era essencial para a ampliação da base produtiva e para a estabilidade macroeconômica. A partir daí, o governo petista empenhou-se por sua aprovação. Por causa das concessões que tiveram de ser feitas na ocasião para que fosse aprovada, a lei ainda precisa ser aprimorada, especialmente na parte tributária. Entre outros requisitos, ela impõe como condição para que a Justiça acolha a proposta de recuperação a apresentação de certidão negativa de débitos fiscais pela empresa devedora. Para os especialistas, essa é uma obrigação impossível de ser cumprida, pois muitas companhias em dificuldades não dispõem de condições de liquidar seus passivos tributários para pleitear a recuperação. Sensatamente, os tribunais têm dispensado essa exigência. Mas o ideal seria que ela fosse revogada formalmente pelo Congresso.
Fonte: Jornal Estado de São Paulo – SP
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