Artigo escrito por Líbia Cristiane Corrêa de Andrade e Florio*
Como sabemos, o Governo de São Paulo iniciou uma série de ajustes fiscais fundamentados na Lei n. 17.293, 16 de outubro de 2020.
De fato, uma série de Decretos emanados do Poder Executivo vieram após essa previsão genérica na Lei 17.293/2020. Referimo-nos aos Decretos números 65.252/2020, 65.253/2020, 65.254/2020 e finalmente ao Decreto 65.255/2020.
Esses Decretos contemplam em suma:
1 –percentuais de isenção parcial dependendo da alíquota da mercadoria: embarcação, hortifrutigranjeiros, insumos agropecuários, leite pasteurizado, moluscos, muda de plantas, algodão, borracha, leite, peças e partes de trator e caminhão, trator agrícola, farinha de mandioca, energia elétrica;
2- novos percentuais de redução de base de cálculo: veículos, aeronaves, equinos, gás liquefeito, insumos agrícolas, máquinas e aparelhos de uso agrícola, refeição…;
3-novos percentuais de crédito outorgado: amendoim, direito autoral, lã, obra de arte, acetona, aquisição de leite cru, aves e abate em frigorífico, leite longa vida, iogurte e leite fermentado, fabricação de móveis, produto têxtil;
4- mudanças em alguns regimes especiais de apuração de imposto: fornecimento de refeição, bares e restaurantes, produtos alimentícios e indústria de informática
Mas, estariam esses ajustes fiscais em consonância com as exigências do nosso ordenamento jurídico tributário?
Bem, passemos a analisar aqui um segmento bem específico que são os bares, restaurantes e similares que sejam optantes pelo regime especial de tributação estadual.
O Decreto 65.255/2020 realizou uma alteração com relação aos bares, restaurantes e similares, que sejam optantes do regime especial de apuração de imposto estadual de ICMS de 3,2%, pois, doravante, passarão a ser tributados por percentual maior de 3,69% já a partir de 15 de janeiro de 2021, com vigência até 15 de janeiro de 2023, incidentes sobre a receita bruta auferida.
A questão que se coloca é a seguinte: Será esse aumento de percentual válido juridicamente?
A nossa opinião é que não.
Como se sabe o artigo 155, parágrafo 2º., inciso XII, letra “g” da nossa Constituição Federal prevê a necessidade de LEI COMPLEMENTAR para regular a concessão, ou revogação de um benefício fiscal relativo ao ICMS (no caso, o regime especial).
Essa Lei Complementar já existe e se tratar da Lei Complementar 24/1975 (plenamente recepcionada pela nossa Constituição Federal de 1988, no seu artigo 34, parágrafo 8º., ADCT)
E a mesma Lei Complementar 24/1975 promoveu uma alteração muito relevante no Código Tributário Nacional especificamente no artigo 178, do CTN, realizando a seguinte previsão:
LEI COMPLEMENTAR Nº 24, DE 7 DE JANEIRO DE 1975
O art. 178 do Código Tributário Nacional passa a vigorar com a seguinte redação:
”Artigo 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.”
Observe-se, assim, que, pela atual redação do artigo 178, do CTN, quando estamos diante de isenções (isto é, dispensa de pagamento total ou parcial de tributo) ela só pode ser revogada POR LEI.
Ora, o benefício fiscal do regime especial de tributação do ICMS para bares e restaurantes, que é a aplicação de um percentual sobre a receita bruta, não deixa de ser uma isenção parcial que é condicionado à não utilização do sistema normal de tributação de ICMS, em que se abatem – das saídas – os créditos das entradas de mercadorias.
O importante, contudo, não é o saber-se qual o tipo de isenção estamos falando, mas que prestemos atenção ao detalhe de que a revogação ou modificação deve ser realizada por LEI, nos exatos termos do artigo 178, do Código Tributário Nacional e isso não está ocorrendo no caso vertente.
Muito embora o suporte remoto desses ajustes fiscais, efetuados por meros Decretos, estejam previstos numa lei, qual seja a Lei 17.293/2020, esta apenas de forma genérica anunciou que futuramente haveriam as alterações, e que nesse futuro o Poder Executivo poderia realizar as reduções de benefícios sem necessidade da feitura de leis específicas uma a uma para as reduções.
Eis a redação da Lei 17.293/2020, em seu artigo 22:
Artigo 22 – Fica o Poder Executivo autorizado a:
II – reduzir os benefícios fiscais e financeiros-fiscais relacionados ao Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, na forma do Convênio nº 42, de 3 de maio de 2016, do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, e alterações posteriores.
Mas, uma simples autorização prévia do Poder Legislativo, em um verdadeiro “cheque em branco” seria suficiente para convalidar os atos do Poder Executivo que altera benefícios fiscais sem cumprir o processo legislativo?
Acreditamos que não, pois não está ocorrendo lei nos termos do que exige o artigo 178, do Código Tributário Nacional.
Assim, somos da opinião de que a alteração na alíquota do crédito presumido de 3,2% para 3,69% no caso dos bares, restaurantes e similares, só podem ser feitas por LEI, e não como foi realizado, pelo Decreto 65.255/2020, com clara ofensa ao princípio da reserva legal replicada no artigo 178, do Código Tributário Nacional.
Para tanto, é necessário ajuizamento de ação judicial para garantir a permanência no percentual de 3,2% enquanto não sobrevier lei específica, que cumpra todas as etapas do processo legislativo, respeitando-se, portanto, o princípio da legalidade, bem como em atenção a todos os princípios tributários da anterioridade e segurança jurídica.
*Líbia Cristiane Corrêa de Andrade e Florio
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