Uma questão que sempre chega à discussão nos tribunais do país é se a esposa (o), companheira (o) ou filhos do caseiro contratado na fazenda tem vínculo de emprego para com o dono da propriedade. É debate muito comum, afinal, o caseiro contratado leva a família para morar consigo na fazenda e o ambiente doméstico se confunde com o ambiente rural.
Via de regra, o caseiro sim é empregado. Se for contratado para cuidar das criações e/ou plantações, cuidar da flora em geral, realizar reparos cotidianos, dentre outras tarefas habituais e mediante dependência do dono da terra, o caseiro é comumente figura empregada na fazenda. Mas e, sua esposa/companheira/filhos também possuem vínculo de emprego? Devem receber salário, décimo terceiro, gozar de férias e ter contribuição social?
Vamos analisar o caso.
É inegável que o ambiente doméstico gera trabalho, e muito! Mas a questão é: Os afazeres da companheira do caseiro faz com que gere vinculo de emprego desta para com o dono da fazenda? A resposta é: DEPENDE.
Toda a questão vai girar em torno dos requisitos de vínculo de emprego trazidos pela CLT, nos artigos segundo e terceiro.
A CLT determina que, para que seja configurado o vínculo empregatício, é necessário haver pessoalidade, devendo o trabalho ser prestado pelo próprio funcionário, sendo uma obrigação intuito personae, não sendo, pois, admitido que o funcionário lhe faça substituir por um amigo ou parente. Não se aceita também em vínculo de emprego que o funcionário admita alguém para lhe ajudar.
É necessário, ainda, haver subordinação, caracterizada pela dependência do empregado em relação ao empregador. A dependência aqui tratada não é necessariamente financeira. O requisito da subordinação ensina que o empregado depende das ordens, da predefinição de tarefas por parte do empregador. Em face do poder de comando do empregador, o empregado tem o dever de obediência, mesmo que tênue (altos empregados) ou em potencial (profissionistas), podendo aquele dirigir, fiscalizar a prestação de serviços, bem como punir o trabalhador[1].
Para caracterização de vínculo empregatício, indispensável ainda, a percepção de salários pelo empregado, caracterizado pelo requisito da onerosidade.
Não basta a presença de apenas um requisito, devendo conter a cumulação deles, com destaque e atenção para a pessoalidade e onerosidade.
Se, por exemplo, a companheira, além das tarefas de sua casa, presta serviços na casa dos donos da fazenda, como faxina ou cozinhar, há de se atentar! Se esta tarefa for rara, sem uma frequência definida, não há vínculo de emprego, pois, ausente o requisito da habitualidade, previsto no artigo 3º da CLT. Assim se posiciona a jurisprudência. Vejamos:
RELAÇÃO DE EMPREGO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM IMÓVEL DE VERANEIO. CASEIRO. CÉLULA FAMILIAR. Não se revela o vínculo empregatício em face do companheiro da trabalhadora contratada como caseiro ainda que, de forma eventual, tenha prestado serviços na propriedade. As peculiaridades das atividades de um caseiro que, via de regra, é acompanhado por seus familiares no momento em que passa a residir no imóvel que lhe é disponibilizado, torna plausível a distribuição dos serviços contratuais entre os membros da família, a título de colaboração e auxílio em favor do contratado e não do contratante, até porque, não se desenvolvem sob as vistas do empregador (PROCESSO ELETRÔNICO TRT/SP N.º 1000296-37.2016.5.02.0301; ORIGEM: 01ª VARA DO TRABALHO DE GUARUJÁ; RECURSO ORDINÁRIO EM RITO SUMARÍSSIMO; Des. Rel. Dra. ROSA MARIA VILLA
E se a companheira auxiliar o marido nos afazeres para o qual ele foi contratado? Há vínculo empregatício? A resposta é negativa, pois, o vínculo de emprego exige pessoalidade e, assim, inadmite ajuda de terceiros ou substituição do trabalhador. Este também é o posicionamento da jurisprudência. Vejamos:
EMENTA: VÍNCULO DE EMPREGO – ESPOSA DE CASEIRO. Não caracteriza vínculo de emprego um eventual auxílio que a esposa dê seu a seu marido, empregado reconhecido como tal, dentro do espírito de mútua colaboração que deve existir em todo ambiente familiar.
(TRT da 3.ª Região; Processo: 0001501-71.2011.5.03.0041 RO; Data de Publicação: 14/06/2013; Disponibilização: 13/06/2013, DEJT, Página 142; Órgão Julgador: Setima Turma; Relator: Luis Felipe Lopes Boson; Revisor: Convocado Marcio Toledo Goncalves).
Agora, se houver pessoalidade, habitualidade e subordinação na prestação de serviços ao sítio e percepção de salários, haverá a relação de emprego, pois, satisfeitos requisitos do vínculo de emprego insculpidos no artigo terceiro da CLT.
Assim, se um familiar do caseiro contratado prestar serviços para o dono da terra, recebendo ordens diretamente dele, haverá requisito de emprego. Propõe-se análise do seguinte exemplo: o caseiro é contratado para cuidar das vacas de determinada fazenda e da ordenha das mesmas. A esposa do caseiro, reside com o mesmo e, além das tarefas da casa, faz queijos todos os dias e cuida da horta para que o dono da fazenda venda verduras na cidade. Os queijos também são comercializados. A esposa do caseiro tem uma rotina determinada pelo patrão de seu marido, devendo confeccionar determinada quantidade de queijos por semana, além de cuidar da horta, devendo trabalhar das 13:00 às 18:00. Para isso, o patrão de seu marido lhe paga uma “ajuda de custo” por mês.
Neste caso, haverá vínculo de emprego também em relação à esposa, pois esta presta serviços habituais (todos os dias faz queijo), com subordinação (tem a rotina determinada pelo empregador, devendo produzir x queijos por semana) e recebe uma remuneração (ajuda de custo).
Importante registrar que, se se tratar de serviços domésticos, a Lei Complementar n. 150/2015 entende que para o vínculo de emprego ser reconhecido, necessária a prestação de serviços mais de duas vezes por semana. A prestação de serviços em frequência menor que a estabelecida em lei, não tem o condão de gerar o vínculo empregatício, sendo esporádica a prestação.
Por fim, importante analisar cada caso, mas atentar sempre aos requisitos da subordinação e habitualidade.
[1] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 14. ed. ver., atual., e ampl., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: método, 2017. p. 252.
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