Corte de zeros, tablitas de reajuste, congelamento de preços, gatilho salarial, indexadores, confisco. Esses termos e expressões fizeram parte do cotidiano dos brasileiros entre 1985 e 1994, época em que o país enfrentava a superinflação, que corroía velozmente o poder de compra da população e a capacidade de planejamento das famílias e dos empresários. A maioria dos brasileiros era obrigada a participar de corridas aos supermercados, tão logo recebesse o salário no início do mês, para estocar produtos que aumentavam de preço diariamente. Alguns poucos cidadãos – que tinham acesso, por exemplo, a contas remuneradas de curtíssimo prazo (overnight) – ainda podiam tentar se proteger da inflação.
Além do grave desequilíbrio fiscal, que resultava em financiamento de gastos do governo com emissão monetária inflacionária, destaca-se entre as causas da superinflação a chamada inflação inercial, ou seja, o aumento contínuo de preços devido à recomposição da inflação passada e às expectativas do comportamento dos preços no futuro.
Na prática, esse comportamento defensivo funcionava assim: um comerciante, por exemplo, reajustava o preço dos seus produtos tentando recuperar perdas com a inflação. E ainda embutia no novo valor o que ele imaginava que perderia com a inflação até a próxima oportunidade de reajustar. Os preços, logicamente, disparavam.
Nessa época, o cenário macroeconômico, marcado pelo alto grau de endividamento externo, déficits públicos elevados e crescimento baixo, fez com que muitos economistas chamassem os anos 80 de “década perdida”. Diversas medidas foram tomadas para recuperar a estabilidade de preços em seis planos econômicos que antecederam o Plano Real.
Planos Cruzado I e II
Lançado em fevereiro de 1986, o Plano de Estabilização Econômica (PEE) ficou conhecido como Plano Cruzado, pois entre as medidas adotadas estava a troca do cruzeiro pelo cruzado, com o corte de três zeros na antiga moeda (Cr$ 1000=Cz$ 1). O PEE previa o congelamento da taxa de câmbio oficial e dos preços. Também promoveu campanha para convocar cidadãos para verificarem se os estabelecimentos estavam seguindo os preços determinados pela Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab).
O PEE criou o “gatilho salarial”, ou seja, sempre que a inflação atingisse ou superasse 20% ao mês, os salários seriam corrigidos pelo mesmo índice; e a “tablita”, que era uma tabela utilizada para converter dívidas de uma época de inflação muito alta. Além disso, a Obrigação do Tesouro Nacional (OTN), sem correção monetária garantida por um ano, substituiu a Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN), criada em 1964, que havia institucionalizado a indexação da economia, ou correção monetária generalizada de preços.
No início, houve queda da inflação mensal, medida pelo IPCA, de 12,72%, em fevereiro, para 0,78%, em abril de 1986. Assim, o poder aquisitivo da população aumentou e o PEE angariou amplo apoio popular. Mas o congelamento de preços gerou rapidamente um grande desequilíbrio financeiro para os produtores, que, muitas vezes, tinham que vender por preços abaixo do custo. Com isso, começou a haver escassez de diversos produtos, sobretudo de alimentos.
Em novembro de 1986, foi lançado o Plano Cruzado II, com descongelamento de preços de alguns produtos e serviços, além de aumento de impostos e tarifas na tentativa de suprir os altos déficits do governo. O congelamento da taxa de câmbio oficial provocou valorização artificial do cruzado, favorecendo as importações e prejudicando as exportações. Com isso, o nível das reservas internacionais caiu vertiginosamente. Em fevereiro de 1987, o Brasil declarou moratória da dívida externa, suspendendo o pagamento dos juros por tempo indeterminado. A inflação mensal em dezembro de 1987 já voltava aos dois dígitos (14,15%).
Plano Bresser
Em junho de 1987, foi lançado o Plano Bresser, com novo congelamento de preços e extinção do gatilho salarial. Quatro meses após a moratória da dívida externa, para promover o superávit comercial e fortalecer as reservas internacionais, a taxa de câmbio oficial foi desvalorizada. Foi criado um indexador financeiro, a Unidade de Referência de Preços (URP), para fins de reajustes de preços e salários. O resultado imediato foi a redução da taxa de inflação mensal de 19,71% para 4,87%, de junho para agosto de 1987. Porém, a inflação logo depois voltou a subir, pois o congelamento não era respeitado, havendo remarcação generalizada de preços.
Plano Verão
Em janeiro de 1989, o governo anuncia novo plano de estabilização, o Plano Verão, que incluía reforma monetária, com a troca do cruzado pelo cruzado novo e o corte de três zeros na moeda (Cz$ 1000 = NCz$ 1), e novo congelamento de preços. Para tentar desindexar a economia, foram extintas a URP e a OTN. A inflação reduziu-se no primeiro momento. Em março, o IPCA foi de 6,82% a.m., mas em maio já se observava novo aumento inflacionário, com inflação mensal de 17,92%. Em 1989, a taxa anual de inflação chegou a atingir 1.972,91%.
Planos Collor I e II
O Plano “Brasil Novo”, mais conhecido como Plano Collor, foi implementado por medida provisória em março de 1990, um dia após a posse do primeiro presidente escolhido em eleições diretas desde o fim da ditadura. Entre as medidas, uma causou grande comoção nacional: o confisco dos depósitos à vista e de poupança pelo prazo de 18 meses – somente retiradas e resgates de até NCz$ 50 mil estavam liberados. A moeda voltou a se chamar cruzeiro, mas, desta vez, não houve corte de zeros (NCz$ 1 = Cr$ 1).
Mais uma vez, houve congelamento de preços e salários. A inovação desse Plano foi a flexibilização do regime cambial, abertura comercial gradual da economia brasileira e a redução da máquina administrativa do governo, com a extinção de diversos órgãos da Administração Pública Federal. O resultado foi uma severa recessão, sem contenção da inflação, que chegou a 1.621% a.a. em 1990.
O Plano Collor II foi anunciado em janeiro de 1991, com novo congelamento de preços e salários. Determinou-se o fim das contas indexadas de curtíssimo prazo para pessoas físicas (remuneradas por aplicações de um dia em títulos públicos – o chamado overnight) e introduziu-se a Taxa de Referência (TR), utilizada até hoje. Esse Plano só conteve a inflação por pouco tempo. Entre abril e junho daquele ano, a taxa de inflação mensal acelerou de 4,99% para 11,19%.
Em setembro de 1992, o presidente Collor sofreu impeachment. À instabilidade macroeconômica, juntou-se a instabilidade política nos primeiros anos da redemocratização. Seu sucessor, Itamar Franco, trocou sucessivamente de ministros da Fazenda no primeiro ano de governo. Em agosto de 1993, determinou a última troca do padrão monetário antes do real, de cruzeiro para cruzeiro real, com corte de três zeros (Cr$ 1000 = CR$ 1).
Por Banco Central do Brasil
0 comentários