Reforma previdenciária: a verdade e a mentira

12/05 – Contabilidade na TV
Decidimos fazer, a quatro mãos, um breve estudo sobre a reforma previdenciária (PEC 287).
Só o estamos fazendo pela estranheza que nos tem causado a intensidade da discussão sinalizando um cataclismo iminente e, particularmente, o empenho governamental, gastando mundos e fundos em publicidade, a favor da reforma, além da completa simpatia pela reforma da grande mídia em geral, o que é minimamente digno de suspeita.
Claro que, inundada de anúncios públicos pagantes, a mídia não se levantaria. Nem os mais extremados. Os economistas, escutados pela própria grande mídia, sempre e curiosamente os ligados ao setor financeiro, apoiando e afirmando verdades de que quem não apoia é néscio. A reforma seria a demonstração de que o país está caminhando para o futuro com responsabilidade! O ministro, banqueiro, visitando bancada por bancada do Congresso Nacional…
Não existe coincidência! É articulação mesmo! De pronto, existirá um grande ganhador com a reforma e não é o erário: serão os planos de aposentadoria privada. Em verdade, estes seriam os grandes e talvez únicos ganhadores. Tal qual em outros setores onde o Estado não presta seus serviços a contento, obrigando boa parte da população a pagar para ter acesso a eles (como saúde, educação, segurança etc.), impedir que as pessoas se aposentem, pela via pública, em tempo de fruir da aposentadoria, seguramente induzirá as pessoas a contratarem planos privados. Isso já acontece, como dissemos, na saúde, onde as pessoas contratam planos de saúde porque sabem que não terão tratamento na rede pública. Este é apenas um exemplo.
E, pensando apenas nos conceitos e nas teses do liberalismo econômico, se o setor privado tem interesse em assumir a um determinado negócio ou mercado é, certamente, por que este negócio é lucrativo.
Todavia, vamos à análise da reforma.
Primeiramente, queremos deixar claro: somos a favor de uma reforma, mas não desta. Reforma não pode significar destruição. Deve abarcar a ideia de readequação, remodelação para o uso.
Como primeiro argumento, contra a reforma proposta, vamos explicar o porquê de nossa contraposição à afirmação de que a previdência está quebrada.
Vários têm sido os artigos publicados por ferrenhos defensores da reforma e, meramente como ilustração, nos referiremos ao artigo publicado no jornal Valor Econômico, pelo professor Fábio Giambiagi, que constrói seu raciocínio, para efeito de simplificação, como ele mesmo afirma, considerando que o Governo Federal inclui duas entidades, o Tesouro Nacional e o INSS.
Prosseguindo em seu argumento, o Governo Federal tem duas receitas, impostos e contribuições (exceto a previdenciária), já o INSS tem apenas uma receita, a contribuição previdenciária. De outra parte, o Governo Federal tem um só gasto, as despesas gerais, enquanto o INSS tem dois tipos de gastos: os benefícios urbanos e os rurais.
Ainda segundo o professor Fábio Giambiagi, o “batalhão antirreformista” faz uma “manipulação algébrica”, pretendendo deslocar as receitas das contribuições, hoje receitas do Governo Federal, para o INSS e repassar os benefícios rurais, hoje despesas do INSS, para o Tesouro Nacional.
A conclusão da tese é que, ao final, o resultado é o mesmo, pois a soma de todas as receitas, com a dedução de todas as despesas, quer sejam do Tesouro Nacional ou do INSS, determinam o resultado do Governo Federal, que não seria alterado pelo simples deslocamento de receitas e despesas de uma para outra entidade, por ele definidas como o Tesouro Nacional e o INSS.
Onde está o erro?
O erro é conceitual. Os impostos são tributos não vinculados, por definição legal. O que isto quer dizer? Na definição do CTN, significa que imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, ou seja, não há, na imposição do imposto, contrapartida determinada do Estado ao contribuinte.
Já as contribuições, previdenciárias ou não, são tributos vinculados, o que significa dizer que são tributos devidos em decorrência de uma prestação estatal em proveito direto do contribuinte.
Acertado o conceito, a aplicação contábil deve, logicamente, ser adequada ao conceito.
Em verdade, a União ao arrecadar a contribuição previdenciária e as demais contribuições sociais, nas modalidades COFINS, PIS/PASEP, CSLL, deve verter todos esses valores aos cofres da seguridade social, composta, de acordo à definição constitucional, por assistência, saúde e previdência.
Não pode a União usar qualquer valor dessas fontes para outro tipo de gasto que não seja o da seguridade social.
Tal diferenciação não é meramente contábil, mas uma definição basilar, incontornável, e que se sobrepõe a qualquer exercício matemático.
A partir deste princípio legal, o déficit ou superávit, deve ser mensurado pelas receitas e despesas da seguridade social, isoladamente, cabendo o custeio das despesas gerais do Governo Federal, única e exclusivamente, à arrecadação de impostos.
A única “manipulação algébrica”, utilizando a terminologia aplicada pelos autores desta argumentação, entre eles o próprio Estado, ocorre em função do instrumento da Desvinculação das Receitas da União (DRU), artifício implementado em 1994, no âmbito do Plano Real, e que vem sendo prorrogado, desde então, mais recentemente em agosto de 2016, quando além de prorrogar a DRU até 2023, foi aumentada a desvinculação das receitas de 20% para 30%, e estendidas às desvinculações a diversas receitas estaduais e municipais.
Este artifício, sob a forma de Emenda Constitucional, permite ao Governo Federal destinar, para onde quiser, o equivalente a 30% do valor arrecadado pelas contribuições sociais, as já referidas contribuições (exceto a previdenciária), que deveriam ser aplicadas em sua totalidade para a Seguridade Social.
Vamos aos dados concretos e utilizaremos, sempre para efeito de comparação, os valores a preços correntes obtidos de fontes oficiais*.
No ano de 2016, segundo os dados do Governo Federal, as receitas primárias do orçamento da seguridade social totalizaram R$ 613.179,3 milhões, enquanto as despesas primárias atingiram R$ 871.842,5 milhões, gerando um déficit de R$ 258.663,2 milhões.
Esquecem-se dos efeitos da DRU na redução das receitas primárias da previdência.
A somatória da arrecadação das receitas federais, em 2016, do COFINS, PIS/PASEP e CPSS, segundo dados da Receita Federal, totalizou R$ 326.607 milhões, enquanto os dados do orçamento da seguridade social demonstram ingressos de, apenas, R$ 211.701 milhões, ficando claramente explicitado o desvio de R$ 114.906 milhões, de valores constitucionalmente vinculados para o Tesouro Nacional, através do mecanismo da DRU, direcionando estes recursos para pagamento de gastos gerais do Governo Federal.
Fica, desta forma, comprovado que 44% do chamado déficit do orçamento da seguridade social, em 2016, é gerado exclusivamente pela aplicação do artifício da DRU.
O próprio Executivo Nacional não oculta que parte do valor arrecadado em função da DRU será destinado, anualmente, à geração do superávit primário, ou seja, como reserva de recursos para o pagamento da dívida pública, pois uma de suas funções é “contribuir para a geração de superávit nas contas do governo, com o objetivo de interromper a trajetória recente de crescimento da dívida pública”.
A matemática não comporta aventuras.
O fato é que a DRU retira receitas da seguridade social e contribui, significativamente, para sua inviabilização.
Mas não é só, pois revisando, também, a arrecadação do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), em 2016, encontramos outro significativo fator de desvio de ingressos no orçamento da seguridade social, que são as denominadas renuncias previdenciárias, que totalizaram o valor de R$ 43.420,6 milhões, ou seja, quase 17% do chamado déficit do orçamento da seguridade social.
E, em complemento, em nossa opinião, ancorada na Constituição Federal, nos obrigamos a defender que antes de aprovar a tal reforma que, como apresentada, prejudica diretamente a população, deve ser feita uma profunda análise, uma auditoria completa, nas contas públicas da seguridade social, começando pela apuração dos valores não arrecadados gerados pela inadimplência de muitos contribuintes, estimada em mais de R$ 400 bilhões, separando o joio do trigo, descartando os valores podres, portanto incobráveis, e cobrando duramente aos demais devedores.
Em suma, é fundamental que seja aberta a “caixa preta” da seguridade social, em nome da transparência necessária dos gastos públicos, onde fique claro quais são as receitas e os gastos totais reais da seguridade social, constatando verdadeiramente os resultados, sejam eles superavitários ou deficitários, em sua dimensão real.
E, claro, o que aparenta ser mais difícil, que é proceder a análise das despesas gerais do Governo Federal, inclusive as decorrentes das sempre ascendentes despesas com o pagamento da dívida pública, constatando o verdadeiro rombo, sem criatividade matemática ou ocultação, camuflando a informação.
Só a partir destas informações reais poder-se-á proceder aos cálculos atuariais previdenciários adequados, sem a “desidratação” de recursos que ocorre pelos vários desvios supramencionados que, uma vez corrigidos, permitirão uma análise mais isenta e precisa da amplitude da reforma de que o Brasil necessita, sem a transferência, a toque de caixa, dos ônus da conta, diretamente aos cidadãos.
Assim, o povo, informado corretamente, sem propaganda e ocultação de informação, poderá fazer a escolha de a quais prioridades atender, através de seus representantes no Congresso ou, por que não, de forma direta?  
Fontes:

1- Reforma da Previdência (Fev-2017) – Apresentação do Secretário da Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, ao Congresso Nacional (8 Mar 2017)
2- Análise da Arrecadação das Receitas Federais (Dez/2016) – Secretaria da Receita Federal do Brasil – Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros (a preços correntes)
Por: Marcus Vinicius Ramos Gonçalves* e José Francisco F. Marcondes Neto*

* Marcus Vinicius Ramos Gonçalves é Presidente da Comissão de Estudos de Comunicações da OAB-SP, professor da FGV-SP e sócio do escritório Bertolucci & Ramos Gonçalves Advogados.
* José Francisco F. Marcondes Neto é economista formado pela FEA – USP e empresário
- 13 de maio de 2017
🤩 SIGA A GENTE NAS REDES
👉 Instagram: https://www.instagram.com/portalcontnews
👉 Notícias via Whatsapp_Folha: https://www.subscribepage.com/whatsfolha
👉 Notícias via Whatsapp_Fiscal: https://www.subscribepage.com/whatsfiscal
👉 Notícias via Whatsapp_Contábil: https://www.subscribepage.com/whatscontabil
👉 Canal no Telegram: https://t.me/contnews

Avaliem o Portal ContNews no Google!
Clique Aqui!

#ContNews #Contábil #Folha #Gestão #Fiscal #Inovação #Eventos

Portal ContNews

Portal ContNews

Informações pertinentes ao dia-a-dia dos profissionais contábeis. Notícias contábeis diárias, vídeos de eventos contábeis e conteúdos específicos para o contador!

2 Comentários

  1. Djalma Pinheiro

    Muitos se lançam a favor da reforma da previdência, e não me coloco contra, contudo, o que se está propagando é “oportunismo” e não reforma de fato nos moldes necessários.
    O “oportunismo” a que me refiro é usar uma reforma necessária num momento de alta turbulência econômica, política e, especialmente, ética, sobre a alegação de que isso irá salvar a economia, quando os efeitos dessa reforma só se dará a longo prazo e a crise econômica é imediata.
    Ainda, penso que nenhuma reforma, seja a tributária, a trabalhista e a previdenciária, embora necessárias, resultará em algo que dure no tempo, sem antes passarmos por duas reformas profundas e, acima de tudo, honestas; as reformas política e fiscal.
    O motivo da necessidade de iniciarmos o acerto do Brasil com uma reforma política e esta seguida de uma reforma fiscal tem assento no nosso passado recente.
    A uma, quando o governo de Castelo Branco, nos idos 64, deu início a reformas profundas com atitudes imediatas e outras de natureza continuada, mas, o que ocorreu em seguida foi o desvirtuamento da coisa pelos governos seguintes por fatores meramente políticos até chegar-se ao apodrecimento de um regime, política e economicamente.
    A duas, o ocorrido com o Plano Real que, tal como o ajuste feito por Castelo Branco, também lastreado em medidas imediatas e outras tantas de natureza continuada (LRF, p.ex.), e, tal qual no primeiro caso, foi colocado no lixo por intenções escusas e ideológicas pelos governos populistas que seguiram FHC.
    Assim, baseando nesses fatos passados, o que assegurará a permanência no tempo das reformas ora em andamento se não lhes der as necessárias garantias com as reformas política e fiscal, de modo a colocar os políticos no seu adequado lugar e estruturando o estado a se manter somente com o que a sociedade pode custear?
    Ainda, em meio às atuais crises econômica, política e ética, é possível reformar-se alguma coisa, especialmente a previdência social do regime geral e normas do trabalho do setor privado que tratam do presente e do futuro do cidadão visando tão somente a economia sem considerar que é ele, o cidadão, quem de fato paga a conta?
    Djalma Pinheiro de Souza
    Além Paraíba – MG

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts relacionados
Siga-nos no Instagram
Parada do eSocial em 26/07/2025: manutenção programada

Parada do eSocial em 26/07/2025: manutenção programada

A parada tem por objetivo manutenção programada do sistema e ocorrerá no dia 26/07/2025, das 21h às 06h do dia seguinte. Todos os módulos serão impactados. O eSocial passará por uma parada temporária para manutenção programada no dia 26/07/2025, sábado, das 21h às 06h...

Parada do eSocial em 26/07/2025: manutenção programada

Parada do eSocial em 26/07/2025: manutenção programada

A parada tem por objetivo manutenção programada do sistema e ocorrerá no dia 26/07/2025, das 21h às 06h do dia seguinte. Todos os módulos serão impactados. O eSocial passará por uma parada temporária para manutenção programada no dia 26/07/2025, sábado, das 21h às 06h...

Siga-nos
Café com IR: 27/05 |Últimos dias

Café com IR: 27/05 |Últimos dias

📣 Entramos na reta final do IRPF 2025! Amanhã, terça-feira (27/05), às 8h30, vamos AO VIVO com uma edição especial do Café com IR pra te ajudar a resolver as últimas dúvidas antes do prazo final! 🎯 Não deixe para a última hora! 🎙 Com:Valter Koppe – ex-supervisor do...

Café com IR: 20/05 | Saiba tudo sobre a Lei 14.754!

Café com IR: 20/05 | Saiba tudo sobre a Lei 14.754!

Nesta terça-feira, 20 de maio, às 8h30, vamos falar AO VIVO sobre um tema que está movimentando o universo tributário:🔎 Saiba tudo sobre a Lei 14.754! Se você ainda tem dúvidas sobre a nova lei da tributação dos fundos exclusivos e offshores, essa live é pra você! 🎙️...

Café com IR: 13/05 | Tem dúvidas sobre o IRPF 2025?

Café com IR: 13/05 | Tem dúvidas sobre o IRPF 2025?

☕📊 Mais uma edição do Café com IR 2025 está chegando! Amanhã, 13 de maio, às 8h30, tem mais uma live especial com o professor Valter Koppe, ex-supervisor do IRPF no Estado de SP — que vem participando desde o início desta jornada ao lado de Mauricio De Luca, CEO da...

Café com IR: 06/05 | Tem dúvidas sobre o IRPF 2025?

Café com IR: 06/05 | Tem dúvidas sobre o IRPF 2025?

📣 Amanhã tem live sobre IRPF 2025! Ainda tem dúvidas sobre a sua declaração? Então se liga: nesta terça-feira, 06 de maio, às 8h30, estaremos AO VIVO no canal do ConntNews no YouTube respondendo as principais perguntas sobre o Imposto de Renda! 🧾💡 É a sua chance de...

Café com IR: 29/04 | Tem dúvidas sobre o IRPF 2025?

Café com IR: 29/04 | Tem dúvidas sobre o IRPF 2025?

📣 É amanhã! Tem dúvidas sobre o IRPF 2025? Então não perca: amanhã, 29 de abril às 8h30, estaremos ao vivo no Youtube do ContNews, respondendo todas as suas perguntas! Prepare suas dúvidas, participe com a gente e declare seu imposto de renda com mais segurança! 🗓 29...

Curso FGTS Digital | Turma 3 – Gravado

Curso FGTS Digital | Turma 3 – Gravado

Prepare-se para descobrir *As 5 Mudanças Mais Impactantes no DP com a Chegada do FGTS Digital* com os experts Jení Carla e João Paulo. As portas para o domínio completo do FGTS Digital estão abertas... mas não por muito tempo. ⏳ 🔹 Curso on-line, ao vivo e interativo🔹...

Aulão de Atualizações Trabalhistas e Previdenciárias

Aulão de Atualizações Trabalhistas e Previdenciárias

🔔🔔 Aulão de Atualizações Trabalhistas e Previdenciárias - GRAVADO 🔄 Fique por dentro de todas as atualizações do eSocial e seu ecossistema. Participe da retrospectiva 2023 e super preparação para 2024 com os maiores experts em DP do Brasil, Jení Carla Fritzke Schulter...

📖 eBook Como evitar a Malha Fina

📖 eBook Como evitar a Malha Fina

? eBook Como evitar a Malha Fina Declarações de IRPF retidas em malha da Receita Federal do Brasil deixam seus contribuintes sujeitos a penalidades, como multas, CPF bloqueado, emissão de passaporte proibida, entre outros. Em 2022, foram mais de um milhão de...

📖 eBook Como declarar PGBL e VGBL no IRPF 2023?

📖 eBook Como declarar PGBL e VGBL no IRPF 2023?

📖 eBook Como declarar PGBL e VGBL no IRPF 2023? O número de brasileiros que aderem a algum tipo de plano de previdência privada vem aumentando. Confira o ebook que traz tudo o que você precisa saber sobre as modalidades oferecidas no país e como declarar cada uma no...

📖 eBook Rendimentos Recebidos Acumuladamente na DIRPF 2023

📖 eBook Rendimentos Recebidos Acumuladamente na DIRPF 2023

Há tratamento tributário específico para situações em que rendimentos relativos a anos-calendário anteriores ao do recebimento, que deveriam ter sido pagos periodicamente, foram recebidos de uma única vez. Confira o ebook sobre o assunto com as atualizações para 2023!...